No esteio das transformações promovidas por João Paulo II, há três décadas, as comunidades foram criadas por participantes de grupos de oração carismática, após viver uma experiência com o Espírito Santo. Inicialmente vistas com desconfiança pelas dioceses, que depois passaram a tolerá-las, são entidades privadas fora da estrutura eclesial. Vivem da caridade e para a caridade. Sua missão maior é a santificação do mundo. A grande maioria tem como vocação — ou carisma, como preferem chamar — a evangelização de jovens, razão pela qual usam intensamente as redes sociais e outras tecnologias de comunicação de massa.
No Brasil, só três delas (Canção Nova, Shalom e Fazenda Esperança) possuem o reconhecimento pontifício. Entre as demais, algumas são certificadas pelas dioceses — a Igreja não dispõe de um levantamento nacional — e outras atuam na informalidade.
Nas casas das comunidades, as missas são celebradas pelo menos três vezes por semana, com frequência por sacerdotes egressos do grupo. Há também momentos de adoração e estudos doutrinários. As orações coletivas e a divisão permanente de tarefas os ajuda a enfrentar a dureza da vida cotidiana. Nestes momentos, os jovens cantam, dançam. Celebram.
Paulo Roberto Diniz, engenheiro civil que abandonou o emprego para fundar a comunidade Santos Anjos em Niterói, há 20 anos, disse que o início foi marcado por perseguições.
— Tivemos problemas com leigos e com a própria igreja. Todos nos viam com desconfiança. Não compreendiam a nossa missão.
A resistência se explica pela originalidade do fenômeno. As comunidades católicas operam em espaço próprio, normalmente em casas onde há um grande espaço para celebrações, fora do âmbito das paróquias locais. Seus fundadores são, em sua maioria, leigos. Atuam como doutrinadores e são vistos pelo grupo como pessoas com dons especiais. Com experimentações subjetivas e místicas em termos de religiosidade, livres dos rigores da missa convencional, essas comunidades não demoraram a atrair os fiéis, majoritariamente jovens atrás de uma resposta a tantas dúvidas, o que, em muitas casos, representou o esvaziamento da paróquia e a inquietação dos párocos.
A primeira vez que a igreja falou oficialmente das novas comunidades foi na Exortação Apostólica “Vita Consecrata”, do Papa João Paulo II, documento publicado em 1996. Com Bento XVI, o fenômeno se aprofundou. Ele dizia que a corresponsabilidade (eclesial) exige uma mudança de mentalidade no que diz respeito ao papel dos leigos na Igreja, que devem ser considerados não como colaboradores do clero, mas como pessoas realmente corresponsáveis pelo modo de ser e de agir da Igreja.
Com as perseguições iniciais, Paulo Roberto conta que muitos ficaram pelo caminho. Hoje, a Bom Pastor conta com cem pessoas para cuidar de seis casas, uma deles voltada para o acolhimento de 120 famílias carentes. Também oferece grupos de oração e de estudo bíblicos. Por ser reconhecida pela diocese, tem um acompanhamento periódico das atividades. Frequentemente, seus missionários são convocados a ajudar as dioceses da região.
Se a JMJ representará a consagração das comunidades de vida e de aliança, o mesmo não se pode dizer da Teologia da Libertação, outra novidade surgida do sopro de mudanças provocado pelo Concílio Vaticano II. Perseguidos pelos dois últimos papas, acuados pela própria dinâmica do movimento social nos países católicos do Terceiro Mundo, hoje mais próximos da secularização, os militantes da mensagem de Jesus libertador não demonstram nesta visita do Papa a mesma força do passado. Para o professor de Comunicação da PUC-Rio Adair Rocha, militante tradicional do braço social da Igreja, Francisco pode representar uma mudança no cenário:
— Os carismáticos representam uma visão institucional moralista. Sua mensagem diz que, quando não há uma saída material, melhor é ficar no simbólico. Mas Francisco vai mudar. Quando faz questão de pagar a sua própria conta no hotel, depois de escolhido Papa, sinaliza algo novo. A partir de agora, quem não agir como ele, com humildade, ficará exposto.
Fonte: O Globo
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