Bastaria dar uma
olhada em alguns dos feitos e ditos de Jesus da forma como aparecem na Bíblia
para imaginar que, se estivesse aqui, teria fugido da apoteótica marcha da quinta-feira, 04/05/2015, realizada
em sua homenagem, na zona norte de São Paulo.
Teria fugido para
se encontrar, na periferia da cidade, com a caravana de excluídos pelos
evangélicos fundamentalistas, todos os diferentes e perseguidos pelos poderes
conservadores, aqueles com os quais Jesus se entendia melhor do que com os
sacerdotes e doutores do Templo.
A Marcha para Jesus
tinha como título “Exaltando o Rei dos Reis”, e nela ouviram-se gritos, entre
outros, contra a prostituição, as drogas e a novas famílias formadas por gays e
lésbicas.
Brasil merece ser visto dentro e fora de suas fronteiras como um país
tolerante e moderno sem essas obsessões contra os que praticam diferentes
sexualidades
Na grande marcha
para Jesus foram ouvidos os ecos da intolerância e indignação contra a liberadora publicidade da empresa O Boticário,
na qual casais de homens e casais de mulheres trocam presentes com naturalidade
e afeto e que alguns evangélicos tentaram obstruir legalmente.
A Bíblia está,
entretanto, coalhada de histórias de amor entre pessoas do mesmo sexo, como os
casos das mulheres Rute e Noemi, ou Davi e Jônatas. E até de Jesus com o
discípulo João, que os evangelhos apresentam como um caso especial de amor.
João era para Jesus o “amado” e “preferido”. E os apóstolos beijavam-se entre
eles.
O pastor Estevam
Hernandes, da Igreja Renascer, anunciou que as imagens da Marcha para Jesus
serão levadas a 170 países. Seu desejo é que Brasil não seja visto no exterior,
entre outras coisas, como “o país das prostitutas”.
Na verdade, como o
Brasil merece ser visto dentro e fora de suas fronteiras é como um país
tolerante e moderno sem essas obsessões contra os que praticam diferentes
sexualidades, que continuam sendo mortos, ou contra as prostitutas, as quais
Jesus amava e defendia contra a hipocrisia dos fariseus, chegando a dizer que
Deus as preferia a eles.
Não como um país
que ainda pune como crime a liberdade da mulher de decidir sobre o fruto de seu
ventre se assim exigir sua consciência.
Nem um país
hipócrita sobre o consumo de drogas ou que ainda não foi capaz de legalizar a
legitimidade de novas formas de famílias, querendo, como querem fazer algumas
lideranças evangélicas, impor a toda a sociedade um só tipo de família
tradicional com ações ditatoriais que lembram a trágica e assustadora posição
política das chamadas repúblicas islâmicas.
Como oportunamente escreveu neste jornal minha colega Carla Jiménez,
o que a democracia brasileira conquistada com tantas lutas e mortes não merece
é que “a hipocrisia possa dominar o dia a dia cotidiano do país”.
O Brasil sempre foi
visto por nós estrangeiros como um país acolhedor e tolerante em matéria de fé
e costumes. Hoje é triste e preocupante que venham justamente dos templos os
gritos de guerra contra os diferentes, contradizendo Isaías que profetizava a
chegada de um Messias, não discriminador e intolerante, mas que abraçaria todas
as raças e povos com suas próprias identidades: “Minha casa será chamada de
casa de oração para todos os povos” (Is. 56).
Jesus teria fugido
da marcha de quinta que pretendia apresenta-lo e consagrá-lo como “Rei dos
Reis”, já que durante sua vida havia feito o mesmo quando a multidão, em busca
de milagres, quis fazê-lo rei. O evangelista João conta o ocorrido: “As
pessoas, ao verem o milagre feito por Jesus (o da multiplicação dos pães)
dizia: 'Esse é o profeta que deve vir ao mundo'. E Jesus, percebendo que
queriam levá-lo para consagrá-lo rei, retirou-se sozinho ao monte”.
Jesus nunca buscou
o poder. Não o temia, mas também não o amava.
Como em vida, se os
evangélicos desejassem coroá-lo novamente como rei dos reis, Jesus somente
aceitaria sê-lo daqueles que alguns dos pastores de suas igrejas discriminam e
humilham.
Se existe algo que
é revelado com clareza pelos textos sagrados é que Jesus não suportava a
hipocrisia dos homens da Igreja que se acreditavam na época, como muitos
pastores e bispos, donos da verdade e até da vida e dos sentimentos das
pessoas.
Em uma Marcha em
homenagem a Jesus, melhor do que gritar contra as prostitutas, o aborto e contra a homossexualidade, ele seguramente
teria preferido ler nos cartazes e palavras de ordem algumas frases de seu
famoso discurso contra a hipocrisia, reunido pelo evangelista Mateus (23, 1 –
39), como essas:
- “Ai de vós,
mestres da lei e fariseus hipócritas que limpais por fora o copo e o prato, mas
por dentro estais cheios de ganância e cobiça!”.
- “Ai de vós que
por fora pareceis justos diante dos homens, mas por dentro estais cheios de
crimes!”.
- “Ai de vós,
mestres da lei e fariseus, que descuidais do mais importante da lei como a
justiça e a misericórdia”.
Uma das grandes
afirmações de Jesus, na qual se inspiraram todas as igrejas cristãs, era a que
dizia: “Quero misericórdia e não sacrifícios”.
Os teólogos da
libertação, primeiro condenados pelo Vaticano e em fase de reabilitação pelo papa Francisco,
sempre afirmaram que a grande revolução do Crucificado foi ter desviado o eixo
da fé dos ritos à defesa da vida e da liberdade, do altar às ruas. E nas ruas,
os preferidos daquele rei sem coroa e sem casa sempre foram os que ainda hoje
continuam sendo os excluídos da sociedade.
Onde deveria estar Jesus na
quinta-feira durante a marcha que quis colocá-lo de novo a coroa do rei dos
bem-pensantes, os puros e os satisfeitos?
Fonte: Brasil.elpais
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