sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Voluntários levam palavras de fé e esperança às comunidades ribeirinhas da Ilha de Marajó

Um labirinto de rios emoldurado pela floresta. Uma paisagem exuberante que parece não ter fim.
Vários dias navegando para chegar às comunidades ribeirinhas mais distantes de Marajó. Não é uma simples aventura, mas uma opção de vida de jovens católicos que deixaram família, trabalho, namoradas para dedicar os melhores anos da juventude à causa da fé.


A equipe do Globo Repórter foi ao sudeste da Ilha de Marajó. Viajou com cinco integrantes e dois voluntários da Missão Marajó, obra da Renovação Carismática Católica. A missão: levar palavras de fé e esperança às pessoas que moram longe de tudo.
A equipe navegou horas sem avistar nenhuma outra embarcação. Só mata, céu e água. Diariamente vem a chuva. Parece que estamos em uma terra virgem. Mas esse pedaço do Brasil é cheio de história.
É o mesmo caminho percorrido pelos primeiros missionários portugueses nessa região selvagem e perigosa. Quase quatro séculos depois, o grupo mantém a tradição da igreja que sempre busca novos fiéis na floresta.
De vez em quando surgem na margem pequenas casas de palafitas. Lá os caboclos vivem da pesca, da caça e da troca de mercadorias. Boa parte da rotina é dentro das águas do rio.
A equipe do programa troca o barco Novo Pentecostes por uma embarcação menor, conhecida no Marajó como rabeta. A missão vai visitar um casal de idosos. Seu Francisco e dona Gertrudes.
Na casa com pouco espaço, mal cabe o grupo todo. Mas na janela cabe uma vista infinita. Seu Francisco tem 98 anos. Dona Gertrudes é um ano mais nova. Casados há 70 anos, eles tiveram dez filhos à beira do rio. Mas vivem sozinhos.
Diariamente remam a pequena canoa para visitar os filhos e netos que moram por ali. Esbanjam saúde e vitalidade.
Globo Repórter: Como o senhor conseguiu chegar assim aos 98 anos?
Francisco: Fui criado com bons elementos. Filho de agora não chega isso. Ele é criado com camarãozinho, peixinho. Não tem como. Eu não. Papai me criou com alimentos fortes. É por isso que estou assim.
Globo Repórter: Que tipo de alimento?
Francisco: Carne de veado, de boi, paca, tatu. Essas coisas do mato. Quando não é a doença grave, Deus cura aqui mesmo, dentro da casa.
Eles têm fé no Deus e na eucaristia. Mas já faz tempo, dez anos, que não recebem a hóstia consagrada.
Os missionários foram com autorização especial do bispo do Marajó para fazer a celebração.
Missão cumprida. Mas os desafios são muitos para esses jovens missionários, leigos e solteiros.
Além das longas distâncias, precisam se adaptar a uma rotina que não estão acostumados.
De vários lugares do país, tiveram que adotar novos costumes, como dormir em rede. E a conviver com as diferenças.
“Um dos grandes desafios da missão é esse”, afirma um deles.
Às vezes até entender o outro pode ser um problema. O pão francês, por exemplo, acaba dentro de casa tomando vários nomes. Em Manaus é o massa grossa. No Paraná é francês. Em Sergipe é conhecido por Jacó. Em breves, é o pão careca. Na Bahia é o pão cacetinho. Em Brasília é pão de sal.
Cada um com seus caprichos. Jéssica Amorim, guia turístico, não abre mão da vaidade, nem no forte calor amazônico. O mais difícil foi mesmo enfrentar o medo da água. Ela, como a maioria do grupo, não sabe nadar.
“No inicio quem vai nas primeiras vezes sente medo , da rabetinha virar, mas a medida que a gente vai pelos rios, vê as aves, as árvores, a gente vai esquecendo esse medo”, afirma a jovem.
Os missionários moram em uma casa, na cidade de Breves, distante 14 horas de viagem de Belém. Homens e mulheres dividem o mesmo teto em uma fraternidade, todos assumiram o compromisso da castidade.
Mas para o Salomão Ronaldo, coordenador, o mais difícil tem sido o clima. Ele chegou com 26 anos, já está com 29 e o paranaense ainda não se acostumou com o calor,
“Eu sou criado no sul, no frio e aqui para mim, todos ambientes, todos os horários são muito quentes”, diz o funcionário público Salomão.
Johnatan Pereira, de 27 anos, só vê a namorada Érica nas fotografias que guarda perto da cama. “Tem que fazer renuncias. Abrir mão”, afirma.
Eles não se vêem há mais de um ano. Saudade? Ciúme? “Antes de ser namorado, fomos bons amigos, nos conhecemos bem, sabemos como o outro convive. Então não rola o ciúme”, garante o farmacêutico Johnatan.
Um dos projetos da missão fica em uma casa de madeira, simples, colorida. Lá, é possível encontrar telhas pintadas com imagens religiosas. Resultado da oficina de artesanato que acontece no local três vezes por semana. Mulheres jovens aprendem a fabricar objetos com madeira e sementes da região que acabam virando fonte de renda para essas famílias.
Guia de turismo em Sergipe, Jéssica abandonou o trabalho para atuar na missão. E tenta explicar porque largou uma carreira promissora para receber cerca de R$ 200 como ajuda de custo.
“É um despertar que vem no coração, um chamado de Deus para você fazer algo mais. Daí surgiu o chamado, a missão, a ser missionária”, explica Jéssica Amorim.
Quando a missão se estabeleceu no local há cinco anos, construiu inicialmente um barracão, onde foram realizadas as primeiras celebrações e missas. Aos poucos o trabalho deles, na cidade Nova Dois, um dos bairros mais carentes de Breves, foi crescendo com doações do mundo todo até da Espanha e da Argentina, construíram um templo maior de madeira, a capela de São José Operário.
No local, funciona o projeto Anjo da Guarda. São 150 crianças mantidas por doações do Brasil inteiro.
“Ver todo o abandono, o esquecimento que se gera em torno da comunidade, dessas crianças, dessa juventude, é o que nos move estar em missão”, afirma um homem.
O sopão preparado por mulheres da comunidade é a única refeição do dia para muitos desses meninos e meninas. As crianças levam baldes pesados de água tratada para casa. O pequeno Genivaldo, de 9 anos, tenta usar a bicicleta e quase leva um tombo.
Muitas das famílias visitadas pela missão moram em palafitas. Lá não tem água potável, luz elétrica ou saneamento e para chegar até a casa da Dona Maria, tem que andar por uma ponte de madeira estreita, conhecida como trapiche.
A caminhada é difícil e demorada até a casa de Dona Maria, à beira do igarapé. Dona Maria abandonou o barraco onde morava, porque estava prestes a desabar. Ela recebeu uma casa nova, com ajuda dos missionários e doações do Canadá. Na cozinha uma coleção de panelas, vazias. 
“Hoje eu não vou almoçar nada. Só quando meu marido chegar, umas 20h, que ele vem chegar e que ele vem trazer nossa comidinha”, afirma.
Hoje ela recebe todo tipo orientação dos missionários. Até para enfrentar o vizinho que tenta tomar a casa nova na Justiça.
E no meio de todas essas dificuldades enfrentadas por Dona Maria foi a Jaciane, de 12 anos, que tomou a iniciativa de procurar a missão para tentar resolver o problema da mãe dela.  “Eu fui procurar a missão, falei com os missionários e aí vieram aqui atrás da minha mãe e de lá foi lá na Justiça pedir uma audiência para ajudar minha mãe”, lembra.
Em tempos de internet, de telefone celular, a rádio continua sendo o meio mais eficiente para falar com as pessoas que moram na Amazônia.
Rádio Santana AM, 24 horas de programação religiosa. No estúdio, eles cantam e dançam como se estivessem na igreja.
Próxima missão: capelinha da Santíssima Trindade, a seis horas de navegação de Breves. O domingo começa agitado. As famílias chegam para participar de um evento raro, que acontece apenas algumas vezes por ano. Ribeirinhos como o Vanilson, fazem um esforço maior para chegar no local. Na capela, que fica lotada, os ribeirinhos cantam e fazem coreografias. Uma celebração da palavra liderada pelos missionários.
No final, todos vão para o cais. E entre chegadas e partidas, missionários e ribeirinhos vivem em comunhão com Deus e com a natureza.
Fonte:Globo.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pai e filho serão ordenados sacerdotes nos Estados Unidos

WALSINGHAM - Em um acontecimento pouco comum na  Igreja  Católica, pai e filho serão ordenados sacerdotes nos Estados Unidos....